terça-feira, 20 de julho de 2010

A LUZ VEM ATRAVÉS DAS SOMBRAS

Caminhando pelos antros do mais escuro possível, seu primeiro desafio foi fotografar sem o desencanto da claridade obtusa, aquela refletida por um obsceno flash ou mesmo um certo feérico mais intenso, onde tudo se traduz sem nenhuma conseqüência. Há três anos trabalhando na lavra deste projeto em maternidades e residências, Adriana vivenciou uma particularidade tratando o espaço físico como soberano. Abóbodas ressentidas de luz, criando dessa maneira um décor harmonioso e ao mesmo tempo instigante, naquilo que alguns artistas de outros universos visuais aludem em sua arte, ocupando e enquadrando a ação em que certa atmosfera reluz infinita e bela, aquela formosura espacial em que os sentidos navegam na glória tangida.
E a proposta mesmo era a de mais escuro possível. Quanto maior o breu menor a denúncia. Quanto mais enfiada nas trevas, o mais sentido do tato era aguçado na percepção do fato. O ato do parto é a solenidade dos sentidos. Quanto maior a verdade, maior o renascimento de nós mesmos e a suprema intimidade dos fatos irão requerer um silêncio faustoso, encimado na fria penumbra observando um estado de direito e delírio. O poder da luz neste caso será sempre agressão e violência, mais um elemento de intervenção no nascimento da criança, como as ferramentas, a paciência ou os limites do profissional que acompanhará o amparo do bebê.
O olhar umbilical que liga e religa o posicionamento desta moça chamada Adriana Medeiros ao desejo em alojar seus afetos naquilo que se fez independente da vontade dela, naquilo que se fez no ato de dar à luz, transcreve discreta e digna nesse seu comparecimento, presença e ação, obra e graça, remontando o bíblico em suas fotos.
A designer e fotógrafa Maya Zalt cultua este trabalho de Adriana como a parábola do resgate feminino na sua extensão mais íntima que é a experiência do parto quando sua luminosidade poética transmite a magia do diáfano, longe das redes hospitalares, onde tudo é fluorescente com despudorada claridade ocultando o transe e o místico. A obscuridade acaba sendo o aconchego de muita dor da pessoa que está ali fazendo força, consciente e partícipe, expulsando de dentro das trevas uma outra sua pessoa...
Mergulhada no universo feminino onde o escafrando só dá para um, amedeirinhos como assina seu email, esta menina cheia de graça e sutileza, grampeia na menina dos seus olhos um remanso contido quando diz: “Acho que é o momento de se repensar a dor. A dor do parto. Ela tem a ver com a mutação, com o nosso desenvolvimento, com a nossa criação, não dá para passar pela vida sem sentir a dor, mas no parto, faz parte do processo e as mulheres vencem, são maiores do que ela. O interior das marés femininas me fascina pela invisibilidade mudando todo mês, me sentindo tocar minha própria maciez”.
Conheci esta doce criatura há uns dez anos, a emitir sinais com um sorriso delicado, inteiriça e cordial, recebendo os alunos da então escola “Foto In Cena”, hoje “Ateliê da Imagem”, sediada no bairro da Urca. Desde então nos vemos muito pouco, dada a atração recíproca como amigos. Como aluna daquele tempo deu um salto imortal transfigurando em imagens outros instantes decisivos, petrificando vidas em diamantes.
Walter Firmo

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Queridos amigos e amigas,

é com muita alegria que lhes convido para a exposição incorpos, onde exponho um ensaio sobre a beleza no nascimento. Há cinco anos acompanhando mulheres e famílias que me envolveram na experiência mais profunda de transformação, fazendo rever ideias sobre força, beleza, sobre as relações e o tempo. Sobre família, natureza e cuidado.
A exposição não vem sozinha! Ao longo desse percurso, muito me ensinou a conhecer pessoas e experiências abertas a um novo olhar sobre a vida, o pensamento, o cuidado.
A exposição vem acompanhada por muitos que em suas áreas específicas lutam, contribuem, constroem um mundo de direitos humanos e respeito à diversidade, de direito à informação, à beleza, à qualidade de vida e à escolha!
Sejam bem-vindos, chamem suas famílias, seus amigos.
Assim começa uma grande história!

Adriana Medeiros